this is a frank ocean song

morgana feijão
4 min readApr 18, 2024

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quando caio viu pedro prestes pela primeira vez, pensou: valha! como ele é bonito.

algum tempo depois, contato salvo no telefone, achou bonito também que o nome fosse aliterativo e quase difícil de falar em voz alta. pedro prestes a que? e ria sozinho, encostando a tela no próprio peito. como era bobo.

— vamos nos ver hoje — informava pedro prestes. caio dava ciência do memorando. viam-se.

as coisas eram mais ou menos assim: caio falava muito, pedro prestes um pouco menos. caio se perguntava se era irritante, até que pedro prestes se inclinava para beijá-lo. caio sorria. se ele fosse tão irritante assim, não teria beijo, claro. a não ser que pedro prestes tivesse um tipo muito específico; nesse caso, caio ficava grato por ter encontrado alguém com gosto para pessoas tagarelas. de vez em quando, os dois ficavam muito quietos. no subsolo da universidade, uma noite qualquer, sentados um de frente para o outro. olhavam-se muito, lábios cerrados. pedro prestes tinha olhos cor de mel e caio também achava graça disso. pessoas com olhos claros costumavam fazer parte de uma demografia extremamente irritante. qual a cor dos seus olhos? ah, se a luz do pôr do sol bate no ângulo de trinta e sete graus sobre minha íris, eles são verdes. e se foder, você não quer? mas pedro prestes não era assim.

— você sabe que é bonito? — perguntava caio. a mero título de curiosidade. queria dizer a pedro prestes que ele era bonito, queria saber se ele sabia que era bonito. saber que é bonito torna as pessoas caixinhas de surpresa: quantos meninos bonitos caio já tinha conversado com, só para descobrir que o livro não passava da capa. papinho de ressentido. caio se orgulhava demais de ter tido que desenvolver uma personalidade, obrigado.

pedro prestes ria e agradecia. dizia que era bom ouvir. e bolava um cigarro.

caio prendia a respiração sempre. que bobagem. tudo era bobagem e toda bobagem era um prazer. gostava de ver pedro prestes dosando o tabaco. como os dedos ficavam firmes e delicados na tarefa. e, claro, o momento mais eletrizante de todos, caio queria desviar o rosto: a ponta da língua passando pela seda. ele podia olhar aquilo assim, tão diretamente? os fumantes artesanais deviam bolar às escondidas ou coisa parecida.

— quer? — oferecia pedro prestes e caio aceitava menos por vontade de fumar e mais por vontade de. bem, de pedro prestes, do que mais?

caio odiava poesia e escreveu um poema:

nas suas digitais: seda.
tabaco cuidadosamente colocado,
pontas dos dedos coladas, suave,
suaves todos os movimentos
suavemente dispor,
suavemente enrolar,
suavemente a ponta da língua suave sobre a suave superfície
da seda.
meus olhos, no entanto: duros.
duramente, olho.
meus dedos, no entanto: duros.
duramente tomam o produto do seu suave esforço.
duramente aos meus lábios duros pelo frio trago a maciez.

você teme o mistério.
eu, não.

mostrou para pedro prestes, que disse:

— fumar é um dos gestos poéticos.

caio achou que os dois, então, eram igualmente bobos, depois amaldiçoou a autoconsciência que impedia que esses instantes fossem melhor aproveitados. que ridículo. quem é que está olhando? abstraiu a tolice do poema. e a tolice do gesto poético. e gostou de ter escrito um poema e gostou que nos gestos pedro prestes escrevesse um também.

viam-se quase todos os dias. na universidade. no quarto de caio. nas janelas de notificação. caio sentia uma espécie de pavor. aquela espécie de pavor. o pavor delicioso: odiava o que estava acontecendo com seu corpo. a antecipação. os choques elétricos metafóricos. amava o que estava acontecendo com seu corpo. a mera ideia de pedro prestes fazia o coração tropeçar. informou para um amigo: vou bloquear esse cara em tudo. o amigo disse: deixa de ser maluco, caio. ele não deixou, mas não bloqueou pedro prestes em nada, é claro.

pedro prestes comprou uma coca-cola e quis dividi-la com caio. caio mandou para pedro prestes o poema de frank o’hara. as coisas iam mais ou menos assim: óbvias.

caio achava pedro prestes alguém de difícil apreensão. algo nos silêncios. algo nos olhos. pedro prestes se mexia gentilmente. estendia a mão e apertava o braço de caio. fazia um carinho no joelho. punha a mão sob o queixo de caio e o beijava assim, com um puxão também gentil. caio sentia cócegas nas costelas. olhava para pedro prestes e imaginava se ele sentia a mesma coisa. era difícil imaginar. caio tinha aprendido que não deveria tentar supor os sentimentos de ninguém a partir dos próprios. era sempre bom perguntar, informar e confiar na fonte da resposta. além disso, a dúvida fazia parte. eros era uma questão de blábláblá, caio tinha lido em algum lugar. disse a pedro prestes que custava a entendê-lo. e pedro prestes sorriu, como sempre:

— é que a gente ainda está se conhecendo.

as coisas para pedro prestes eram simples assim.

transar com pedro prestes era bom. os olhos bonitos. nessas horas, ficavam escuros. as pupilas enormes. caio se surpreendia com a maciez geral de pedro prestes. os cabelos cacheados. as costas. as panturrilhas. caio gostava de fazer perguntas que considerava relevantes durante o sexo: assim está bom? você está gostando? quer outra coisa? e se for desse jeito? uma vez, beijando pedro prestes, nu, em cima dele, perguntou: você tem trauma religioso? pedro prestes riu e deu sua resposta. depois se beijaram mais. transar com pedro prestes era bom, até o dia em que foi incrível. caio tomou outro susto: valha!, como quando percebeu o quão bonito era pedro prestes. depois meditou muito sobre esse acontecimento. queria contar para amigos, mas queria guardar a experiência apenas para si. o corpo de pedro prestes parecia um incêndio. pedro prestes a pegar fogo. caio pensou em labaredas de fogo azul. queria morrer na boca de pedro prestes.

depois, pela maneira óbvia que as coisas caminhavam, pedro prestes informou a caio que não queria mais continuar daquele jeito. caio deu ciência do memorando. a única coisa que pensou foi que se soubesse que o dia em que beijou pedro prestes pela última vez era o dia em que beijava pedro prestes pela última vez, teria prolongado tanto aquele final que ele se tornaria um começo.

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